Já estou no quarto rascunho dessa newsletter, creio que foi um por mês, mas a verdade é que enrolei tudo o que deu. Tentei até mudar de assunto pra disfarçar. Quem nunca?
Mas, surpresa, tenho que falar sobre luto de novo… me acompanha rapidinho? 🫣
Quinta passada vi um vídeo com uma mensagem que mexeu demais. Era algo como “a gente sempre fala dos fins de relacionamentos amorosos, mas pouco se diz sobre o fim de amizades. É uma dor muito grande perder um amigo”.
Eu já vivi muitos lutos de amizades que me despedi em vida. Inevitavelmente, e sem precedentes, a morte veio a ser uma dessas formas que me separaram de amizades também. Dói em outro formato, em outras camadas, mas a verdade precisa ser dita: fala-se muito pouco sobre isso.
A única avó do meu marido que conheci - nossa amada abuelita Irma - partiu com 96. Nos últimos dez anos da sua vida, ela ainda tinha quase t-o-d-a-s as suas amigas de infância. Amizades de 80, 90 anos!!! Erroneamente, me apoiei na crença deste tamanho privilégio e não imaginei que tão cedo na vida teria que me despedir de alguém que era para sempre, como o Felipe é/foi pra mim.
Antes, não posso não falar da Nathalie, uma amiga da faculdade que partiu cedo demais, em 2006. O início da nossa história foi turbulento, mas depois estabelecemos um vínculo que pouca gente viu! Ela não era a minha BFF, mas era uma amiga que adorava e foi na sua despedida que eu entendi a importância da gente estar presente para fechar ciclos, nem que seja para ajudar o processo mentalmente. Sem pisar em ovos, estou falando de ir ao velório mesmo.
Quando o Fe partiu, eu morava nos EUA e não teria tempo hábil de me despedir dele. Era época da pandemia antes da vacina. Ou seja, não tive uma brecha considerável para poder “normalizar” essa despedida e seguir com a ordem natural dos eventos. Além de tudo, eu e o Felipe sempre fomos uma dupla, então a solidão não poderia ter me engolido mais. Assim, não tão aos poucos, enlouqueci.
Quase como uma chave que você gira, ali nasceu um luto completamente insólito e vazio. Um lugar que tinha um silêncio ensurdecedor. Tem vezes que o palpável, por mais avassalador que seja, é tudo que a gente precisa.
Dentro de uma crença que eu mesma desenvolvi, não se encaixa falar com quem partiu pelas redes sociais. Leio e acho bonito sempre, só que não consigo. Acredito que cada um passa a existir dentro de nós.
Mas cuidado ao cuspir pra cima o universo não falha e deixa bem claro os sinais daquilo que falta. Podem ser preenchidos com dor, pensamentos, ansiedade (aqui a gente já fechou o combo 3x1 faz tempo, risos). E, depois de quase três anos da partida do Felipe, descobri que o que falta na minha vida é aquilo que eu menos gostaria de fazer… uma despedida.
Antes que eu feche o computador de novo, vou apertar um botão aqui e deixar o coração falar. Quem preferir ler, vou transcrever o mesmo conteúdo abaixo.
Puta que pariu, Felipe!
Eu não achei que você ia embora.
Eu nunca achei que você ia embora, porque você é daqueles que duram pra sempre. Que entram na nossa vida pra mostrar que existe o pra sempre.
Porque ao te conhecer já fica difícil, impossível não querer te ter mais por perto e que esse sentimento dure uma vida inteira. Aquela vida longa que a gente acha que todo mundo deveria ter. Aquela vida que ganha muito quando tem a sua presença.
Mas puta que pariu, Felipe, não era pra eu falar de você no passado. Não era pra eu falar de você assim, na internet, a gente nunca fez isso.
Mas, finalmente, eu entendi a agonia da onde vinha. Eu precisava, simplesmente, falar com você de novo. Depois de 7 meses, a gente se reencontrou agora num sonho e você, com a sua generosidade de sempre, me lembrou que eu posso e devo fazer tudo que eu quiser pra aliviar meu coração.
Aqui não tem nada que não seja meu puro egoísmo. Mas, às vezes, a gente precisa dar vazão para o que está inundado - ou inundando do lado de dentro.
Eu sou muito grata por todas as vezes que você apareceu nos meus sonhos desde que a gente se conheceu, assim eu consigo interpretar melhor todos os sonhos que vieram e aconteceram depois da sua partida. Como sempre, você estava certo: são encontros, não tem outra!
O que está pegando mesmo é que eu nunca me despedi de você. Nunca quis me despedir de você. Em vésperas de cirurgias ou procedimentos importantes, ou até quando eu estava indo embora do Brasil, eu nunca me despedi de você. Porque eu nunca temi. E eu nunca quis que você temesse também. Eu não queria que você achasse que eu via a sua partida como uma possibilidade.
Eu atendia as suas ligações sabendo que você buscava algum tipo de força e carinho quando me contava que marcou a próxima cirurgia, e optei por não falhar com você. Não quer dizer que eu não chorava depois que a gente desligava, tá?
A primeira vez foi muito difícil. A segunda vez também. A terceira era pra gente ter tirado de letra. Não era pra machucar tanto…
Mesmo assim, todos os dias que antecederam a última cirurgia eu ensaiava: pra não parecer alguma coisa, hoje eu vou falar que eu amo, amanhã mando uma piada, depois mando uma música, depois eu dou uma bronca “olha, você não ouse demorar me responder no WhatsApp da UTI…”.
Mas puta que pariu, Felipe, limitei essas palavras que não eram incomuns na nossa relação desde o começo. Porque você sempre foi amoroso comigo, como um irmão deve ser. Como o irmão que eu escolhi (ou que chutou a porta pra entrar mesmo).
Acho que a nossa amizade foi a minha relação mais bem sucedida, porque a gente nunca perdeu tempo em dizer o que sentia, de bom ou ruim.
Puta que pariu, Felipe, você me ensinou sobre a morte, mas eu não acreditava que você ia morrer.
Eu vivo hoje com a sua última mensagem, aquele áudio delicioso, com você rindo muito do sticker que eu tinha mandado no WhatsApp e depois dizendo “Vai dar tudo certo, Ju”.
Eu ainda me pergunto o que é “tudo” e o que é “certo”.
Talvez as respostas não venham nessa vida, não agora. Mas a gente tem outras vidas pra se encontrar e, aí, talvez o nosso pra sempre continue. Tomara, né?
Dentro de mim eu não tenho dúvidas: seu espaço é tão grande que meu coração está quase de baleia, gigante igual ao seu.
Eu vou honrar - espero - o tanto da vida que você me ensinou e nunca mesmo esquecer o tanto de vida que a gente viveu.
Deixando muito claro que a nossa amizade é um puta exemplo: nem todo grande amor precisa ser romântico.
E, olha, haja amor…
Puta que pariu, Felipe, como eu amo você.
[Pausa para: SOS, joguei minha voz na internet e nem é audiobook prazamiga no zap!]
Ufa, chegar até aqui (em todos os aspectos) se tornou uma grande vitória, e preciso dar alguns créditos: Sandra, minha psicóloga maravilhosa, que me incentivou a falar alto este monte de “PQP”. Kat, my lovely friend, que indicou o podcast que me libertou a falar do luto como eu precisava. E, o dono do podcast, que não tem noção de nada disso, mas enfim… Anderson Cooper, que com sua sensibilidade e coragem extremas expôs um processo de luto tão difícil: o de ser o único da família que sobrou.
All There Is é uma joia! Cooper decidiu gravar áudios dos momentos em que começou a se desfazer do apartamento da mãe, a última a partir. Quando criança, ele perdeu o pai. Quando jovem adulto, perdeu o irmão. A mãe guardava nessa casa não só a sua vida, mas o que quis manter das vidas que partiram antes dela.
Ele convida nomes incríveis para somar e ajudar com o necessário - normalizar o luto. Sem sequer imaginar, respondeu perguntas minhas e ofereceu uma certa companhia que estava faltando.
Como ele, minha intenção é abrir o diálogo sobre esta experiência que a gente é obrigada a atravessar e, seguramente, vai atravessar de novo. E de novo. E de novo. E, também, te recordar que a vida acaba, então vai lá: seja presente com quem você ama, cuide do seu coração e de quem mora nele.
Nota de rodapé: Tudo o que você leu/ouviu acima foi registrado na última sexta-feira, dia 27 de outubro. Nunca iria imaginar que, no dia seguinte, grande parte da minha geração compartilharia o luto coletivo por um grande amigo.
Friends foi um dos primeiros pontos de conexão entre eu e o Felipe. Na nossa primeira troca de emails, fica claro que “ele era o Joey e eu era o Chandler”. Essa ordem fica confusa agora, assim como lidar com esse luto repentino, mas deixo uma mensagem bonita escrita por ele, que via a morte como uma etapa, nunca como o fim.
Sempre sábio e certeiro com as palavras. Obrigada por existir, Fe! 🤍
Se você precisar de companhia ou somente desabafar sobre seu luto, me escreve no: cozymiro@gmail.com
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Quando minha sobrinha morreu, seu irmão mais velho não se despediu direito, não encarou o luto. Ele, já adulto, quis ser forte para apoiar a mãe. Um dia, o levei para um café sossegado, papel e caneta, e pedi para ele escrever uma carta de despedida para ela. Foram muitas lágrimas. Intensas. As dele, finalmente dando um até logo para a garota cheia de vontades que era a Subrinha - como eu assim a chamava. Que bom que você conseguiu se despedir, Ju. <3
Bru, demorei anos pra entender que todo fim precisa de uma despedida, seja um fim de amizade, de um amor, ou um luto por alguém que se foi. Alguns eu consegui me despedir, outros até hoje não. Que bom que encontrou uma forma de se despedir do Felipe! Você foi muito forte e corajosa em dar esse passo!! 🤍